Temporada de 1972, anti-informação - não é de hoje que existe


Tinha uma amiga na faculdade que era metida a saber de tudo. Um dia, descobriu que eu gostava (entendia) de automobilismo, e criou uma enorme celeuma comigo, insistindo que a Lamborghini tinha uma equipe de F-1. Estávamos no começo dos anos 80, os carros da Lamborghini nem eram homologados para corridas, muito menos havia Lamborghinis de F1. Eventualmente, motores Lamborghini equiparam carros d acategoria, houve até um carro chamado Lambo (melhor seria Lambança) e os carros da marca, hoje em mãos da VW, até que se tornaram carros de corrida decentes, além de serem devidamente homologados para as competições.

Sei lá, de repente ela era vidente...

Fiquei tão assustado com a certeza demonstrada pela Janelle - esse era o nome da minha amiga - que cheguei a duvidar dos meus conhecimentos da história do automobilismo, confesso que na época ainda precários.

Escrever sobre a história do automobilismo brasileiro é frequentemente difícil por que a história e as estórias muitas vezes se imiscuem, e dezenas de Janelles insistem em dizer que certas coisas aconteceram - quando não há nenhum indício das ocorrências.

Em 1972 havia somente duas revistas de circulação nacional que tratavam do assunto automobilismo no Brasil. 1972 foi um ano curioso para as duas, Auto Esporte e Quatro Rodas, por que de repente surgiu um público novo que passou a se interessar pelo automobilismo de competição internacional, com as vitórias de Emerson Fittipaldi na Europa. Assim, as revistas passaram a atender os anseios deste público, ao mesmo tempo que a cobertura de eventos domésticos piorava, por uma série de razões.

A culpa não era só das revistas, lógico. Interlagos voltara a ficar alguns meses fechado para reformas, o que bagunçou um pouco o calendário nacional. As corridas rarearam, assim, era difícil achar pauta para a cobertura do automobilismo nacional, por que não estava acontecendo quase nada. O que levou à publicação de uma série de coisas tidas como certas, que nunca aconteceram.

Como sempre, o calendário do automobilismo brasileiro publicado pelas revistas tinha elementos de obra de ficção, embora o de 1972 fosse um pouquinho melhor em relação a anos anteriores. Entre outras fábulas, o calendário tinha uma 24 Horas de Interlagos e 1000 Milhas que nunca chegaram perto de ser realizadas. Sem contar as etapas não realizadas de campeonatos brasileiros. Nesse caso a culpa não era das revistas.

Com falta de ter o que falar, a revista AE gastou quatro longas páginas anunciando a compra de um protótipo argentino, o Trueno-Sprint, por Pedro Victor de Lamare, para disputar a mítica série SUDAM, que também fazia muito furor nas páginas das revistas. Algo deve ter dado muito errado, pois PV nunca usou o tal carro, de fato, na única prova SUDAM que ocorreu, na Argentina, PV já estava munido de um Avallone-Chevrolet, que usou nos próximos dois anos.

Num outro longo artigo que tratava do rompimento da Bino-Samdaco e da Equipe Greco, fomos informados que Totó Porto disputaria corridas com um Royale, pela Bino-Samdaco, e que Greco continuaria a fabricar Formula Ford, e também alinharia carros na categoria, incluindo entre os pilotos (sim, plural) Tite Catapani. Nada disto aconteceu, lógico

O GP do Brasil também rendeu muitos "furos". A lista de inscritos, tida como "certa", afinal de contas Scavone tinha ido assinar o contrato na Europa e o prêmio de largada fora pago adiantado, segundo reportagens, incluía Clay Regazzoni com Ferrari, dois Tecnos com Derek Bell e Nanni Galli, Andrea de Adamich com Surtees, além de outras possibilidades (na realidade, as tais possibilidades incluíam quase o grid inteiro da F1, como as equipes Tyrrell, Matra-Simca e McLaren, que dificilmente se interessariam pela corrida). Até o Lian Duarte aparecia como possível concorrente, além do improvável David Charlton, com seu Lotus 72 sul-africano. O mais engraçado, de fato, foi a lista de pilotos reserva - Sam Posey, Allan Rollinson e Gijs Van Lennep. Posey já tinha corrido na F1, mas exatamente o que ele viria fazer no Brasil, não tenho ideia. Já Allan Rollinson nunca correu na F1, antes ou depois. Gijs Van Lennep fazia um pouco de sentido. A BRM tinha estruturado uma equipe principal naquele ano, patrocinada pela Marlboro, e diversas equipes de países, a Marlboro-Austria (Helmut Marko), Marlboro-Espanha (Alex Soler Roig) e a Marlboro-Holanda (Gijs van Lennep). A última nunca saiu do papel, e as outras duas duraram pouco.

Com a falta de pauta doméstica, as revistas acabavam colocando notícias internacionais nada interessantes. O acidente do desconhecido piloto de F-2 Dick Barber, foi tratado com requintes de suma importância pela revista AE, com direito a nove fotografias! O acidente não me pareceu nada grave, e Dick Barber desapareceu nas notas de rodapé do esporte auto-motor.

Curiosamente, as revistas omitiam ou restringiam a cobertura de coisas que realmente aconteceram no Brasil! No caso da AE, por exemplo, a segunda e terceira etapas do Campeonato Nacional de Formula Ford, patrocinado pela Texaco, foram apertadas em uma única página, com uma burocrática foto. Era de se esperar uma cobertura melhorzinha na próxima edição, mas que nada! Corridas do Paraná, Brasília, Nordeste e Rio Grande do Sul raramente eram mencionadas. Nem mesmo a primeira prova com o nome de Stockcar realizada no Rio de Janeiro, que contou com pilotos famosos, foi sequer mencionada pela carioca Auto Esporte!

Em suma, só posso dizer que foi um ano curioso. A Janelle iria gostar.

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